9.6.07

Sad, but true

Os 25 artistas mais subestimados - Rolling Stone
1º Tom Waits
2º The Replacements
3º Cheap Trick
4º Sonic Youth
5º Warren Zevon
6º Big Star
7º The Pharcyde
8º Roxy Music
9º Talking Heads
10º Bob Seger
11º The Hold Steady
12º Fugazi
13º The Cramps
14º The New York Dolls
15º The Band
16º The Cars
17º Pogues
18º Alice Cooper
19º Dinosaur Jr
20º Sleater-Kinney
21º Husker Du
22º Devo
23º Wilco
24º Tom Petty
25º Ween

Outros artistas subestimados
• The Stone Roses
• Grant Lee Buffalo
• Yo La Tengo
• Kraftwerk
PJ Harvey
• Blur
• Cat Power
• Teenage Fanclub
• Pixies
• Nick Cave

7.6.07

Aleijadinho, o Profeta de seu tempo (uma resenha)

“O pecado de Judá está escrito com um ponteiro de ferro, com ponta de diamante, gravado na tábua do seu coração e nas pontas dos vossos altares. Como também seus filhos se lembram dos seus altares, e dos seus bosques, junto às árvores frondosas, sobre os altos outeiros. Ó meu monte no campo! A tua riqueza e todos os teus tesouros darei por presa, como também os teus altos, por causa do pecado, em todos os teus termos.”
Jeremias 17: 1-3.


Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, artesão mineiro, contemporâneo do Ouro Mineiro, veio ao mundo em 1730, oficialmente, dele pouco se sabe, pois o que se entende por biográfico só tomou corpo quatro décadas após sua morte. Foi, possivelmente, filho de um mestre-carpinteiro português e uma escrava. Do pai herdou somente o nome e o dom, este que lhe preencheu a vida, mesmo depois de perder os dedos das mãos e pés.

Não foi além do primário, e tampouco em vida obteve qualquer reconhecimento pomposo ou pecuniário. Depois da morte do pai, o artesão emprestou o seu nome e, de seu versátil talento forjou esculturas, cenas, igrejas.Darcy nos chama atenção ao que eram as terras de minas e riquezas, as Gerais, da época de Aleijadinho. Um quase oásis para os filhos bastardos, que não tendo espaço para ascender em canaviais, acharam ali ouro e riquezas, e dessas puderam conquistar um qualquer respeito dentre fidalgos e nobres. Tal qual os burgueses da Idade Média européia, que rodeavam os feudos fortes, tinham posses mas não tinham o nome.

Os europeus que colonizam sem grandes pudores, este vasto país que não é país ainda, mas colônia, acham se mais afeitos aos calores de nossa terra. Gilberto Freyre, nome importante, por dentre outras coisas, nos servir com um espelho, e nos ensinar, pela primeira vez, sobre um certo amor próprio, um quê de aceitação e mesmo júbilo, nos leva a uma região que lhe é tão cara, para nos mostrar por seus olhos de brasileiro, o que foi a época da Cana de Açúcar, e o que fomos nós ainda quando não podíamos ousar ser. Como um cicerone, um senhor, nos apresenta não só o seu engenho, mas as senzalas, os alpendres, as casas grandes. Seus moradores, suas refeições, preguiças, trabalhos, explorações e acordos.

É da vadiagem moral e capital, dos ciúmes e friezas. O senhor de engenho que casa-se com suas primas de quinze ou pouco menos anos, e faz-lhe procriar tantas vezes, que se ela sobreviver, lhe sobrarão a amargura de ser desinteressante aos vinte anos, e mesmo que ainda ostente alguma beleza, sabe e aceita que seu cônjuge não se sentirá rogado e praticará a reprodução em larga escala, também com as fêmeas negras que estiverem sob seus tetos. As mesmas que também serão amas-de-leite, para as crias bastardas ou legítimas. Numa época em que não se espere permanência do nativo a um reduto, ainda que de proporções latifundiárias, sobra ao negro, resignar-se e servir, ao senhor que apesar de poucos escrúpulos, já se sente menos estrangeiro, talvez, não sinta mais nada de estrangeiro, até.

Dos filhos que se sucede a essas camas luso-africanas, e da aceitação malemolente que surge tão devagar, mas ainda assim caractere genuinamente nosso, aparecem outras afinidades e quem sabe, perspectivas. E destas, que acompanham fugas, e novas adaptações ao meio, chegamos aos nossos burgueses históricos, os comerciantes, e artesãos, os mulatos, mestiços, mamelucos, e quantos nomes puderem ter aqueles que gerarão filhos ainda mais misturados. O ouro descoberto mais ao sudeste do futuro país-continente, representa a única oportunidade de inserir-se não mais como vil base da pirâmide da Cana, mas uma classe existente e autônoma.
Ainda estamos numa época onde a produção brasileira não nasceu, quer dizer, é preciso que tudo isso aconteça, para que o iletrado e deficiente físico, junte-se a outros artesãos anônimos, e através de sua sensibilidade e fé, pensem utilizar-se, sem querer-querendo da cultura do além-mar, e então, dêem mostras de genialidade, e sem grandes honras, criem o que ainda levará pouco mais de um século para ser reconhecido.

Segundo um de seus numerosos biógrafos, o ainda Antônio Francisco Lisboa teria levado uma vida bastante libertina, assim como os personagens fogosos de Freyre, e da mesma forma, teria contraído sífilis, e dela anos depois sucederam se suas chagas. A sífilis é só uma suposição, já que o corpo jamais fora exumado e a pouca precisão da época é sabida. O fato é que o homem que necessitava que amarrassem suas ferramentas aos punhos e andava de joelhos, teve sua vida artística marcada pela incógnita doença. Mário de Andrade creu no antes e depois da doença. E exemplificou citando as obras do mestre: as que precedem o início da deploração física, que constituem as obras de Ouro Preto, seriam serenas, equilibradas e mais claras. Já as que seguem o martírio, que são as de Congonhas, dentre estas a que seria durante dez anos, gerada a duras dores, “Passos da Paixão”, demonstram um ar gótico e expressionista. Interessante saber que suas obras mais aclamadas são as da segunda fase.

Aleijadinho que enquanto escultor era mal pago, visto que em sua época não era mais que reles artesão, contava com uma equipe de ajudantes e escravos, e tendo ao longo da vida aprendizes, assim como ele fora no início, tem poucas obras totalmente suas. Na verdade, muitas dessas obras têm, apenas uma ou outra parte, feitas exclusivamente pelo mestre, ou o acabamento ou mesmo a técnica. Por isso se diz que Aleijadinho também desenvolvera uma escola, no sentido de disseminar sua marca dentre outros artesãos.Ainda falando das Minas Gerais de Aleijadinho, vale a lembrança de que fora contemporâneo do mártir histórico inconfidente, e que a medida que sua doença lhe degenerava, mais ele se tomava de revolta contra a sociedade da época, e as classes dominantes.

Ele que pudera ter sido a nossa versão do Corcunda, dado aos relatos de época que contam ter tomado feições disformes e agonizantes, ao fim da vida vivia isolado, junto apenas de seus três escravos e mais dois ajudantes. Completamente arredio, eremita. De sua revolta contra os que eram tidos por nobres, e de sua doença herdam às suas obras, a primazia do casamento: gótico e barroco. O sofrimento e a angústia do homem só, que padece em sua condição de humano, tão limitada e por isso tão carecida do ilimitado Deus. É obscuro porque a realidade lhe força a ser, lhe obriga a fugir, a agüentar como servo. E do seu sacrifício perene, brota sua única forma de resposta, que é sua arte. E embora o seu criador não possa ir, elas tomam os espaços públicos e suntuosos de igrejas, paços, cidades.

Segundo Freyre, o ressentimento de Aleijadinho é menos por sua dor individual, e mais pela condição de sub-raça, de sub-povo. Assim como os antecessores de sua mãe, negra, escrava, queixaram-se por, forçosamente, deixaram sua Mãe África, muitos e muitos, já alcançados pela forte mão do Islam, que exige de todo crente o árabe clássico contido em sua Recitação, não puderam sentir se piores, tendo de obedecer ao chicote explorador e inculto. Aleijadinho, também filho desta África, e mais, desse Europa, vive outros contextos, e se utilizando de outras ferramentas, e mesmo expressões, reclamou a mesma sensação mortificante de não ser ninguém. De fazer parte de um povo que era ninguém. Também como Jeremias, profeta do Antigo Testamento, que conclama ao seu povo que levante-se e mude o que têm de ser mudado. Que ver, como Aleijadinho via os montes verdes mineiros, de riquezas preciosas, mas que jazia sob a tutela de uma minoria avarenta e destruidora.

A exposição que veio a Brasília, pelo circuito cultural, permite não somente admirar de perto originais e réplicas do Barroco Mineiro, dentre obras do Aleijadinho e de outros, mas nos aproxima do que foi o início e continua sendo pra nós, a luta de um povo em se fazer notar, não por outra coisa mas por sua genialidade e capacidade de aproveitar as sobras e criar o inesperadamente especial. Ele que quando vivo não passou de escultor odioso por sua doença, celebriza-se entre nós, mais de dois séculos depois. Costumo me perguntar como seria para essas figuras de época viverem nos dias de hoje, dentre tantas confabulações, a mais certa é que teriam obtido e inculcado ainda, soluções, como a máxima de Nietszche, teriam feito arte, para que a dura realidade não os destruísse. Da arte que não fala apenas de si, ou mas de todos os seres humanos.
Ao som de Bach