29.10.08

Na cola da sorte

Antes das seis da manhã precisei levantar para tomar mais um banho. Deveria ser o de número sete ou oito, o cabelo, uma mistura de palha de aço com tomei um choque. Duro, em pé, assustador. Ainda bem que Naty dormia como uma pedra na cama ao lado. A água às seis é como o resto do dia, quente, porém minimamente menos. Uma acidez estomacal também ajudou a me despertar, mas ai faria muito barulho eu sair atrás de um copo d'água para tomar um antiácido.

Às oito e pouco é Naty que está disposta, acordada, se arrumando para o novo dia. Eu, timidamente levanto, tentando esconder a juba em um boné ou lenço. Mauriozan liga e avisa, meia hora e eu passo ai para levá-las à casa de Santina e Oberlino. E lá sem vem o salvador da pátria. Antes, um suco de caju direto da fruta. Uma coceira na garganta, coisa que em Brasília eu já tinha esquecido. Mensagens para os amados, e lá vamos começar mesmo o dia.

Distância razoável. O casal mora num sítio que tem além de fontes de água límpida, histórias de onças e madeiras eternas, porteiras e cocô de cavalo, também torres de transmissão de energia, fruto da usina hidrelérica Serra da Mesa - Furnas. Idosos de mais de setenta anos, oito filhos, uma simplicidade sábia e aconchegante. Querem ver a oficina de fazer farinha de puba? Querem um copo d'água com água da fonte? Assim como o suco de caju da pousada, aquela água cristalina são luxos pra mim na capital federal.

Dona Santina e Seu Oberlino se conheceram num frevo há muitas décadas lá em Porto Nacional. Conhece Porto Nacional, menina? Conheço, vocês andaram demais pra chegar aqui, ne? - concluo. E andaram mesmo. Seu Oberlino conta que levava até dois dias pra vir de não sei onde até onde ele mora há mais de quatro décadas. Com a espingarda no ombro, um facão, e uma longa caminhada no meio do mato. Tem muita onça por lá. Inclusive, lá perto da fonte passara uma há poucos dias.

Deixamos os dois e partimos para a cidade outra vez. O quarto do hotel mais quente que tudo, chega! Vamos mudar para um quarto com ar condicionado. Lembramos da música que tocava no morte lenta ontem: Voar, voar, voar, voar, só pra te amar, amar, amar, amar... Pensamos: Um ar, um ar, um ar, um ar, não temos mais azar, azar, azar, azar... ê felicidade. Ar condicionado em Minaçu é artigo de primeira necessidade.

Mas a corrida continua e é hora de ir na feira. Pertinho do hotel, muitas bicicletas, muita mandioca, muita gente colorida. O índio que procuramos é conhecido por João Mandioca. Essa palavra, mandioca era a única que ele identificava no palavreado branco e foi esse jeito de dizer olá que ele encontrou. O apelido ficou, João Mandioca! E pensa que ele acha ruim? Acha nada! Dona Irateles diz que é assim que ele pergunta o nome das pessoas: Seu nome é João Mandioca? Ai a pessoa diz: "Nada, meu nome é Florinda." "Ah, eu João Mandioca!" E temos um início de contato. Simpático, ne? Aliás, pelo que ouvimos daqueles feirantes simpáticos dá uma vontade enormes de conhecer João e todos os seus. Na sede, Naty ataca um suco de saco sabor manga super doce e ficamos por lá prometendo visitas àquela gente sofrida mas feliz, carismáticos como só interioranos sabem ser.

Anoitece e é hora de ir no morte lenta. Mais um X quatro queijos. Depois corre pro hotel que é primeira noite de ar. Antes uma passada na lan house de R$1 a hora, bebe uma nova schin e pensa nas perguntas que queremos fazer para o mito do posto da Funai. Coitado de Mariozan que quis nos ajudar e agora leva bolo por nós. Liga avisando que não conseguiu nada, mas amanhã a busca prossegue. Voltamos para o hotel e vemos o time de Naty, o Fogão tentar em vão ganhar do São Paulo & Arbitragem. Esquece! Mais fácil a santidade da funai nos receber.

Simbora, então.

Resistindo

Depois de escolher a pousada, não a do tenente como quis Lourenço, o taxista. Mas um antigo prostíbulo, hoje pousada de família, mil-quinhentos-e-setenta-e-nove-mil apartamentos. Quartinho quente como o inferno, mas era só um inferno júnior de manhãzinha. Saída para andar na cidade, Av. Maranhão, a central. Lojas luxuosamente vestidas de artigos coloridos e nada discretos. Pochetes, muitas pochetes e muitas sorveterias, uma ao lado da outra mas também pudera.

A cada orelhão mil tentativas de falar com a Funai. Dificuldade é uma palavra que não descreveria bem essa situação. Mensagens na caixa postal: Somos formandas de jornalismo, estamos fazendo uma reportagem sobre os avá-canoeiros... Na septuagésima ligação da hora, eis que alguém atende do outro lado. Mas apenas para dizer que retornássemos vinte minutos depois. Obviamente, um blefe. Porque se passaram 24 horas e teríamos calos nos dedos senão fosse um enviado divino que caiu de paráquedas na nossa agenda. Dessa vez tivemos de dar uma de esperta e contar um imbróglio, mas foi por boas causas.

Assessor figurinha, mil histórias, mil pensamentos enquanto fala. Muito disposto, muito curioso, envolvido com trocentas coisas. Arrumou-nos uma entrevista com um casal de pioneiros, tomou as dores do contato com a Funai, arrumou livros, nos levou pra cima e pra baixo e ninguém faria melhor. Com certeza, haverá um parágrafo de agradecimentos para ele em nosso memorial.

E para terminar o dia, mais uma viagem com os mototáxis. Três reais pra lá, três reais pra cá e fomos até a Praia do Sol. Lugar bonito, imensidão do lago, barcos pescando, moças que para cada mergulho era um flash. Pena que muito distante. Andamos, cansamos e voltamos para casa. Um calor da porra noite adentro. Antes um morte lenta familiar e mil banhos para conseguir dormir no quarto-forno. Até o chuveiro desligado tem uma água que me escalpelaria se eu permanecesse alguns minutos mais com a cabeça embaixo. Pelo menos não tinha muriçocas, só os 37 graus sem ventilação. Fim do primeiro dia, Minaçu!

28.10.08

Em busca de algo

Brasília, 22h e pouco, destino Minaçu.
Poucos passageiros, "Ar condicionado ecológico" significa: abra suas janelas, ou tentem abrir além de alguns centímetros.

Detesto banheiros de ônibus, mas sempre preciso deles. Neste sem luz, acento do vaso no chão e eu me arriscando, unindo experiências passadas e algum cálculo maluco. Molho a bunda com a água que espirra e volto tateando pelo corredor escuro. Estamos nas primeiras poltronas. Dica dos mais velhos. Atrás do motorista a gente sonha com alguma ventilação e que as inúmeras crianças parem de chorar.

O sono não vem e agradeço por não ser mais uma criança tipicamente virginiana. Lembro dos respingos do banheiro, das mãos provavelmente imundas de bactérias, do calor que deixa a pele preguenta e penso: ok, em dez horas poderei tomar um banho.

Na poltrona sem estofado ouço um Luiz Gonzaga que diz que a vida é andar por esse país.
Lá vamos nós.
Anápolis, Rialma, Ceres, Jaraguá, nem sei se a ordem é essa.

Manhãzinha, muitos trabalhadores rurais pegam o ônibus: Diaaaa patrão! - dizem os que entram. Diaaaa! Respondem os que já estão.

Moço, falta muito para Minaçu?
Ah, digamos que umas três horas, responde o rapaz que ajuda o motorista. Jovem, deve ter uns vinte e poucos anos, e deve ter também uma namorada. Porque passava todo o tempo enviando e recebendo mensagens de seu celular, sentado em um banquinho (conhecido em minha terra como tamborete). O tamborete baixinho ficava no degrau onde seria a porta que divide a cabina do motorista e o corredor com poltronas.

Oito e pouco, chegamos.
Bem-vindos à Minaçu. Justiça e Progresso, repete o lema e as iniciais do prefeito. Jogada de marketing do assessor figura, mas essa já é outra história que quando passar o calor, tentarei lembrar.

5.10.08

Para primeiros anos

Por Ygotz




Dias de outubro são sempre parecidos aqui no Planalto Central.
Dias de mormaço, com tempestades. Céu cinzento.
E eu gosto muito disso tudo.
Há um ano, eu estaria romantizando um café com ele para depois do trabalho.
Corre-corre da chuva.

Ele está aqui e nem tantos cafés quanto planejamos, mas uma tranquilidade inconfundível.
E um aquiescer no peito permanente.
Uma música, uma frase, uma cena, uma bela imagem e ele ali.
Agora temos as broncas diárias.
Às vezes um quê de tédio ou uma certa melancolia da limitação que essa Brasília representa pra gente.
Mas mais ainda uma fé enorme, uma convicção, uma vontade de lutar e vencer.

Esse é o primeiro. O primeiro do resto de nossas vidas.
E hoje eu desejo a todos tudo isso e Janta.