28.9.06

Das cartas

Conversámos de olhos baixos.
Entre nós, mais de meio século de vivências, e isso pesava de sobremodo sobre mim, porque naquele momento eu era a carrasca.
Carrasca, porque no meu afã de querer mudar qualquer coisa(já que o mundo vai continuar o mesmo depois de mim), ensaiei nela, meus discursos.
Mas eu queria seu bem. E acima de tudo, acima de qualquer coisa, gostaria de lhe permitir reparar os erros.
Um de meus erros foi ter, ou melhor, não ter lhe considerado o meio século.
Conversamos durante muito tempo.
Eu com minhas opiniões e objeções de raras vezes tão bem postas.
Ela se desculpando.
Me sinto ridícula, penso eu agora, em que me sinto carrasca.
Mas, o momento parou quando eu a vi de olhos embotados temendo o tempo que se esvai.
Não sei se esse foi o meu primeiro contato com essa regra.
Mas foi a primeira vez que senti algo tão estranho.
O tempo que se vai. E agora cada vez mais rápido e rápido e irreversível.
E eu estou longe.
E isso me dói. Puxa, das dores do tempo e do irreversível, nenhum deus tem me poupado.
Por que?
Essa permanente incerteza? Essa fragilidade tão a espreita e tão irrevogável?
Se eu pudesse expressar o seu olhar...
Como não posso, descrevo coisas de si.
Ela sentada, passando a mão sobre o braço, como que coçando, como que ansiando que algo a trocasse de máquina, de corpo. Os olhos baixos e lacrimejantes e a voz falhada.
Nossa distância se desintegrou ai.
Estivemos muito mais próximas e arrebatadas do que jamais, no medo e na cumplicidade.
...
Por amor, perdoe-me!
Amo você.

Um comentário:

Maiara Zortéa disse...

o tempo que se esvai...

se eu já penso nele agora, imagine meu estado neurótico daqui meio século!

isso, se eu durar mais meio século!